terça-feira, 24 de janeiro de 2017

OUTROS CONTOS

«A Dança dos Meses», por António Sérgio.

«A Dança dos Meses»
As Quatro Estações/ Arcimboldo

957- «A DANÇA DOS MESES»

Eram uma vez duas velhinhas, que moravam numa casa ao pé de uma mata. Tinha cada uma o seu quarto de cama, e havia uma sala de jantar para as duas manas. Uma delas chamava-se Eusébia, e a outra, Adelina.

Uma manhã, a tia Adelina levantou-se cedo - muito cedinho -, varreu o quarto, fez a cama, e saiu. Foi andando por ali fora com seu passo curto e apressadito, para ir apanhar na mata alguma lenha. Em certo momento, viu um pássaro -piu, piu, piu, - que andava aos saltos diante dela, que piava, e que se não ia para longe da nossa velha. A tia Adelina gostou do pássaro, sorriu-lhe, cantou, e foi seguindo por onde ele queria. Seguiu, seguiu, seguiu, e o pássaro sempre a pipilar - piu, piu, piu, - e a nossa velhinha atrás do pássaro. Em certo momento, chegou a um rio, e apareceu-lhe uma casa por detrás de um salgueiro, toda coberta por folhas de hera. O pássaro saltitou para lá, e a velha entrou. Achou-se numa sala muito grande. Em volta, junto às paredes, estavam doze rapazes muito bonitos, vestidos de seda, cada um com o fato de sua cor. Os rapazes chegaram-se, formaram uma roda, e começaram a dançar em redor da velha:

Gira a roda, gira, gira, 
É um ano inteiro na gira, 
São três por quatro a girar: 
Quem é que gira na roda? 
Quem é que canta esta moda? 
Quem é que baila a cantar? 
Gira a roda....gira...gira, 
Gira...gira...gira...gira, 
São três por quatro a girar!

A velha sorria, muito entretida a ver a dança. Quando pararam, um dos rapazes perguntou-lhe: "De qual dos meses gostas mais ?"

A tia Adelina olhou para ele muito risonha, e respondeu -lhe : "Ora, de qual gosto mais! Gosto de todos. Todos eles são bons".

"Todos bons? - insistiu o rapaz. - Todos eles igualmente bons? Pois achas que Dezembro e Janeiro, com chuva e frio, são tão bons e agradáveis como o mês de Abril, com suas flores?"

"Ora - respondeu a velha -, se não chovesse nos outros meses, não poderia haver as flores no mês de Abril. Todos são bons. Já lhes disse que me agradam todos". E sorria.

"Está bem, está bem - respondeu o rapaz que lhe falara. - Toma este saco. Dou-to de presente com o que tem lá dentro. Quando quiseres, podes sair"

A tia Adelina agradeceu, saiu, disse o seu adeus ao passarito, voltou pelo caminho por onde tinha vindo, e chegou enfim à sua casa.

A mana Eusébia, já levantada, estava a varrer o seu próprio quarto, e mal disposta, rabugenta, por ter de fazer esse trabalho.

Disse-lhe assim a mana Adelina : "Não te apoquentes por tão pouca coisa. Eu vou ajudar-te". E ajudou-a. Quando acabaram, a tia Eusébia perguntou à outra: "Que trazes tu naquele saquinho?"

A tia Adelina respondeu : "Nem vi ainda. Deram-mo numa casa da mata uns rapazes que lá achei. Vamos abri-lo". A tia Adelina abriu o saco, e ficou espantada. De cada vez que metia a mão, saía de lá de dentro uma coisa boa. Era um vestido, que lhe servia muito bem; eram roupas brancas muito finas; eram lindas frutas de conserva; eram... eu sei lá! Eram tantas coisas, que parecia impossível que pudessem caber naquele saquinho.

E a tia Eusébia disse então: "Bonitas e boas coisas te deram os tais rapazes, não haja dúvida. E agora dize: como foste parar à casa deles?"

"Ora, é muito simples". E a tia Adelina explicou-lhe tudo: a estrada, a mata, o rio, o pássaro, o salgueiro, a casa coberta de folhas de hera...

A mana Eusébia só resmungou: "Está bem, está bem. Pois sempre tiveste muita sorte, ó mana Adelina! Foi sempre assim!"

A tia Adelina respondeu-lhe: "Lá isso é verdade. Foram muito bons os rapazinhos. Temos aqui muita coisa boa para nós as duas".

No dia seguinte muito cedo, pela manhã, a tia Eusébia levantou-se muito cedo, vestiu-se, saiu, e foi pelo caminho que a mana Adelina lhe ensinara. Chegou ao rio, e apareceu-lhe a casa por detrás do salgueiro, toda coberta de folhas de hera.

A velha entrou. Viu-se na sala grande. Os rapazinhos lá estavam. Uniram as mãos, e dançaram em roda:

Gira a roda, gira, gira, 
É um ano inteiro na gira, 
São três por quatro a girar : 
Quem é que gira na roda? 
Quem é que canta esta moda? 
Quem é que baila a cantar? 
Gira a roda...gira...gira, 
Gira...gira...gira...gira, 
São três por quatro a girar!

Enquanto os rapazes dançavam, a tia Eusébia aborrecia-se; já lhe parecia dança de mais.

Quando pararam, um deles adiantou-se e perguntou: "De quais dos meses gostas tu?"

A tia Eusébia resmungou : "Ora, que ideia! A que vem a pergunta sobre os meses? Eu sei lá! Cá para mim, são todos maus. Uns dão frio; outros dão vento; outros, calor. Todos me custam a aturar."

"Está bem, está bem- respondeu o rapazinho. - Toma este saco. Dou-to de presente com o que tem lá dentro. Adeus. Podes sair" .

A tia Eusébia lá se foi com o seu saquinho, voltou pelos sítios por onde tinha vindo, chegou a casa, não disse nada à sua mana, fechou-se no quarto muito bem fechada, e abriu o saco...

Ih Jesus! No saco só havia lagartos!

E acabou-se a história.

António Sérgio

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