sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Ida às Boxes
Sátira...

«IDA ÀS BOXES»

- Doutor, estou indeciso…
Tenho que ir à faca?
- Uma operação de caca,
Mas vai ser preciso.
Opero com um sorriso
Essa hérnia estrangulada,
Vou cortar a danada
Que está em aflição…
Não resistiu à pressão,
A política é tramada!

POETA

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

O Grande Banho
Sátira...

«O GRANDE BANHO»

- Meu primeiro, uns senhores
Pretendem fazer fiscalização,
À lei que ditou euros na mão
Dos partidos mais gastadores.
- Vai lá dizer a esses estupores
Que podem dar banho ao cão,
Eu agora estou em meditação
Sem tempo para agitadores…
Diz aos fiscalizadores
Que não admito intromissão!

POETA 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Y Viva España
Sátira...

«Y VIVA ESPAÑA»

- Hola, Zé... aquí el mínimo
Son 850 euros de ordenado,
Hasta 2020 está asegurado...
Qué dices de este mimo?
- Digo que estou sem ânimo
Com os meus 580,
Não sei se a conta aguenta
Tamanha fartura…
Desenrasca este pendura,
20 euritos que bem assenta!

POETA

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Futebol Impraticável
Sátira...

«FUTEBOL IMPRATICÁVEL»

No lodo atascado
O futebol nacional…
Comissões, etc e tal,
Desde apito dourado.
Temos jogo viciado
Em correio electrónico,
O polvo supersónico
Estende os tentáculos…
Ricos espectáculos
Com negócio faraónico!

ATEOP

SÁTIRA...

Nadador de Fundo
Sátira...

«NADADOR DE FUNDO»

O mergulho de Natal
Antes da consoada,
A água está gelada
Na praia continental.
Pró Martelo tradicional
Ir a banhos em Cascais,
Sair nas redes sociais
E outra comunicação…
Lá estava a televisão,
Sem esquecer os jornais.

POETA

domingo, 24 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Oh! Oh! Oh!
Sátira...

«OH! OH! OH!»

- Oh! Oh! Oh!... 2018
Défice sem melhoria…
Cá a mim não arrelia,
Toma lá um biscoito!
- Estou feito num oito
Com pacote vazio,
Até que me arrepio
Sem ver nada dentro…
- Nesse jogo não entro,
Sobre tal, nem um pio!

POETA

sábado, 23 de dezembro de 2017

OUTROS CONTOS

«Um Menino Singular», por Guilherme d'Oliveira Martins.

«Um Menino Singular»
Duas Crianças sob a Árvore de Natal
(Paul Adolf Seehaus)

1127- «UM MENINO SINGULAR»

A minha Avó Leonor foi a melhor contadora de histórias que conheci. Nunca repetia uma narrativa. Para o mesmo tema escolhia várias versões, o que era uma verdadeira delícia. Claro que muitas vezes as versões tinham apenas pequenas variantes – mas os atentos ouvintes pediam que a Avó insistisse em mais este ou aquele pormenor. E dizia sempre: «quem conta um conto acrescenta um ponto…». Essa versatilidade era a mesma que nos deixava intrigados quando alternadamente ouvíamos o seu cantar brasileiro contrastante com o impecável falar de Lisboa… O certo é que havia sempre oportunidade ora para a alegria ora para o temor… Não há emoção sem esses ingredientes.

Havia dragões medonhos, labirintos aterradores, bruxedos abomináveis, ameaças terríveis; mas igualmente fadas deslumbrantes, princesas e príncipes adoráveis, heróis destemidos – e ainda pessoas normalíssimas como os empregados da fazenda de Paranaguá onde minha Avó nascera, os gendarmes que conhecera em Laeken, onde vivera, a doceira de Bruxelas fabricante do melhor mil-folhas, as precetoras, as “nannies”, as professoras, as colegas de escola das mais diversas nacionalidades com quem aprendera… Ah, e havia ainda milhentos animais – desde cãezinhos simpáticos, saguins metediços, papagaios mais ou menos inconvenientes, para não falar de cobras nas chácaras (enroscadas nos locais mais inesperados) ou de jacarés na grande fazenda…Compreende-se que houvesse tanta matéria para alimentar histórias extraordinárias…

Nas férias de Natal, havia especiais oportunidades para ouvir tão fantásticos relatos em que a realidade e a ficção se ligavam. E se não houvesse tema, haveria o relato de longas viagens transatlânticas. Não esqueço que, quando vi «E la Nave Va» de Fellini, encontrei muitas das personagens das viagens de minha Avó. Era a especial magia, uma aura ligada à arte em estado puro – simbolizada pelo paradigma não de Edmea Tutea, mas de Eleonora Duse, nome sublime que a Avó considerava também como seu. De facto, seus pais desejaram que se chamasse Eleonora, mas o oficial do registo civil do Paraná preferira a versão mais comum, distante das referências à grande atriz. Quando em cada Natal as luzes do presépio eram inauguradas, com especial pompa, iluminando um conjunto muito diverso de figuras de feltro, feitas com esmero pelas alunas de meu Avô de Língua Pátria, História e Geografia, já sabíamos que havia oportunidade para que cada um daqueles pastores, lavadeiras, músicos, carpinteiros, aguadeiros e tudo mais – além dos Magos, naturalmente – pudesse ser centro de uma história fantástica. Em regra era a oralidade que prevalecia, como nos tempos dos aedos, mas em determinado momento vieram até nós Selma Lagerlöf ou Edmundo de Amicis. E então nasceu outro prazer – o de ouvir ler, pausadamente, cada uma dessas narrativas mágicas e antigas… E aí ouvimos ler: “Lembro-me bem da avó a desfiar histórias, umas após outras, de manhã à noite, enquanto, nós, as crianças, a ouvíamos muito quietas, sentadas a seu lado. Era uma vida esplêndida!”… 

Descobrimos então uma grande escritora a lembrar essa experiência única de contar histórias e de as transmitir pelos séculos dos séculos. E ouvíamos maravilhados: “À entrada de Belém, junto à porta principal da cidade estava de guarda um legionário romano, revestido de armadura e elmo. Da ilharga direita pendia-lhe uma espada, e na mão segurava uma lança. Naquele posto ficava o dia inteiro, quase imóvel, chegando a parecer uma estátua de ferro”… Tempos distantes, figuras de sonho, apelo à imaginação… Nessa narrativa, havia um menino de três anos vestido apenas com uma pele de ovelha, que brincava só, e que chamou a atenção do normalmente distraído soldado por ajudar uma abelha e por se encarregar de cuidar dos lírios do campo. E lembrou-se de uma tremenda profecia: “Se uma criança consegue impossíveis, é porque se aproxima um período terrível. A paz dominará todo o orbe e o dia da guerra nunca chegará!”. Acontece que num dia muito quente, em que o sol abrasava, o legionário quase a desfalecer foi ajudado por aquele menino especialmente estranho, com a dádiva de um pouco de água para se dessedentar. Num primeiro momento, o soldado quis recusar, expulsando a criança inoportuna. Mas subitamente um golpe mais intenso de calor levou o legionário a aperceber-se de que a sua vida estava em risco se não bebesse um pouco daquela água e aceitou a dádiva da criança. Considerou, porém, que tal fora um sinal de fraqueza da sua parte – de que não se perdoava. Veio então a decisão tremenda do rei Herodes da condenação das crianças inocentes. Haveria uma grande festa na cidade de Belém, fechar-se-iam as portas da cidade e seria executada a terrível sentença. O legionário viu então a hipótese de reparar a humilhação de ter sido ajudado por aquele pedaço de gente… «Por ordem do rei, a festa deveria realizar-se na galeria superior, e para esse efeito fora ela transformada em florida alameda do mais belo dos jardins». 

As mães trouxeram consigo os seus filhos, despreocupadas. Ao comprido das paredes da galeria, escondida pelas grinaldas festivas, estava uma fila de soldados armados. Os pequenos foram  perdendo o acanhamento, e começaram a correr e a saltar em grande algazarra. Até que um dos meninos, mais afoito, se aproximou dos homens armados, tocando num deles nas pernas e nas sandálias. Esse foi o detonador bárbaro e com fúria indescritível os militares atiraram-se sobre as crianças, agarrando-as e arremessando-as por cima da varanda. “Durante a confusão que se estabeleceu, enquanto ecoavam gritos horríveis e se perpetrava o mais desumano e cruel dos crimes, esperava imóvel, no alto da escada que dava acesso à galeria, o soldado que costumava fazer guarda a uma das portas da cidade”. Nós ouvíamos a história pregados às cadeiras – plenos de compaixão perante tão ignóbil injustiça. Alguns, lembrados de um poema de Miguel Torga, imaginávamos o rei Herodes de tranças e olhar façanhudo. E aguardávamos por saber qual a atitude do sentinela – e qual o destino do pequenito… Pausadamente, a leitura continuava: o militar viu que uma mulher conseguira deitar mão ao filho e aprestou-se a fazer-lhes frente e a impedir a passagem. Mas uma dor tremenda num dos olhos, precedida dum zumbido, incapacitou-o de agir. Uma abelha interviera naquele momento crucial, para desespero do soldado. E os fugitivos passaram. No dia seguinte, as portas da cidade foram reabertas. Mas havia que encontrar os  fugitivos. 

Então o legionário viu um homem e uma mulher que caminhavam apressadamente. Ele trazia um machado. Ela não trazia o manto do modo como usavam as mulheres de Belém, mas atirado sobre a cabeça assim esconderia o filho, e quanto mais se aproximavam, mais o soldado percebia que a criança era, pela altura e pelo talhe, a do dia anterior. O casal chegou junto do guarda e este intimou a mulher a mostrar o que escondia no manto. O homem disse que iam para o campo e levavam pão e vinho para a jorna. O legionário insistiu para que a mulher mostrasse o que tinha. O homem insistiu para que os deixassem passar e ergueu o machado. Mas a mulher avançou. 

Era o climax da história. A Avó fazia uma pausa. Olhou-nos e leu: “Com um sorriso confiante, a mulher voltou-se para o soldado e atirou para as costas a ponta do manto. No mesmo instante, o soldado recuou e fechou os olhos ofuscado por luz intensa”. O que a mulher trazia irradiava uma claridade deslumbrante. E o legionário percebeu que era um ramo de lírios e era impossível fixá-los tal a luminosidade que emanavam… 

Atónito, remexeu nos lírios e não teve outro remédio senão deixá-los passar. Era capaz de jurar antes que ali estaria uma criança… Nisto, ouve grande alarido, pedindo que aquele casal fosse impedido de sair, pois apurava-se que levavam mesmo o menino suspeito… Como era possível ter voltado a deixar fugir essa criança?… E de cabeça perdida, tomou o cavalo de um beduíno e iniciou uma perseguição desenfreada. Sem sucesso percorreu muitos quilómetros até à exaustão, até que desistiu da desfilada e propôs-se descansar um pouco numa gruta fresca. Com estranheza encontrou à entrada viçosos lírios de uma beleza única. E, para sua grande surpresa, ao entrar, descobriu que ali estavam, à sua mercê, deitados a dormir, incapazes de se defender os três fugitivos procurados. «Rápido, o soldado puxou da espada, inclinou-se sobre o menino adormecido e, com todo o cuidado, apontou-lhe a arma ao coração, a fim de o matar de um só golpe». Com uma alegria mórbida descobriu que, afinal, aquele pequeno era o mesmo que brincava com abelhas e lírios do campo… Herodes recompensá-lo-ia se apresentasse a cabeça da criança.

Seria, por certo, promovido a comandante da guarda de honra. Agora já nada podia impedi-lo. Na mão tinha um belo lírio colhido à entrada, mas depressa se apercebeu que dentro da flor havia uma abelha que rodopiou à volta de sua cabeça. Então o legionário teve um rebate de coração. Lembrou-se de tudo o que tinha acontecido… E até do momento em que o menino o salvara de insolação… 

– Não posso matar quem me salvou a vida. Até a abelha e os lírios foram gratos. O pequeno acordou entretanto e fitou-o com olhar muito doce… O legionário então “beijou-lhe os pés e, recuando devagar, saiu da gruta, enquanto o menino o olhava, sorrindo, sorrindo sempre, com os seus olhos de criança, grandes e admiráveis”…

E assim mesmo a minha Avó continua a contar-nos as suas histórias maravilhosas.

Guilherme d'Oliveira Martins

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Só?
Sátira...

«SÓ?»

- Sem acordo na intenta
Entre governo e sindicatos,
Os ordenados baratos
Ficam-se pelos 580.
- Cosa-se!... só isso aumenta?
Alô?... é da farmácia?
Afinal era uma falácia…
Os remédios vão pró alho,
Eu fico-me pelo talho
Que produz mais eficácia!

POETA

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

A Consciência Tranquila
Sátira...

«A CONSCIÊNCIA TRANQUILA»

- Sobre a Raríssimas…
De consciência tranquila, (?)
A direita agora aniquila
Essas vidas belíssimas!
- São as mesmíssimas
Frases do Vesgo da Silva...
A conversa não me cativa,
Os políticos que se cosam!!
Comigo vocês não gozam,
O país está à deriva!!!

- Devias falar com prudência…
- Não devo nada à consciência.

POETA

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

O Assunto Complexo
Sátira...

«O ASSUNTO COMPLEXO»

Um assunto complexo
A maldita corrupção,
Não vislumbro solução
Neste labirinto sem nexo.
Ó Diabo!... estou perplexo…
Culpado ou inocente?
O labirinto não mente,
Mea culpa, máxima culpa…
A todos peço desculpa
Pelo Estado deprimente!

POETA

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

As Prendas
Sátira...

«AS PRENDAS»

- Zé, sobre a liderança
Dos dois candidatos ao PSD…
Tu achas que o partido vê
Neles alguma esperança?
- Digo, com toda a confiança,
Duas boas prendas de Natal
Como não encontras igual!...
São dois bons amigos da onça
Que agradam à Geringonça…
- Não fazem bem, nem mal!

POETA

sábado, 16 de dezembro de 2017

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(16 de Dezembro de 1770, nasce o compositor erudito alemão Ludwig van Beethoven)

BEETHOVEN - «Para Elisa»

Poet'anarquista

Ludwig van Beethoven
Genial Compositor Alemão
(Retrato por Friedrich August von Kloeber/ 1818)

OUTROS CONTOS...

«Os Óculos», por Olavo Bilac.

«Os Óculos»
Pintura de Ernesto Frederico Scheffel

1126- «OS ÓCULOS»

O velho e austero doutor Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, tem uma espinhosa missão a cumprir junto da pálida e formosa Clarice... Vai examiná-la: vai dizer qual a razão da sua fraqueza, qual a origem daquele depauperamento, daquela triste agonia de flor que murcha e se estiola.

A bela Clarice!... É casada há seis meses com o gordo João Paineiras, o conhecido corretor de fundos, — o João dos óculos —, como o chamam na Praça por causa daqueles grossos e pesados óculos de ouro que nunca deixam o seu forte nariz de ventas cabeludas. Há seis meses ela mingua, e emagrece, e tem na face a cor da cera das promessas de igreja — a bela Clarice. E — ó espanto! — quanto mais fraca vai ficando ela, mais forte vai ficando ele, o João dos óculos, — um latagão que vende saúde aos quilos. Assusta-se a família da moça. Ele, com seu imenso sorriso, vai dizendo que não sabe... que não compreende... porque, enfim, — que diabo! — se a culpa fosse sua, ele também estaria na espinha...

E é o velho e austero Dr. Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, um poço de ciência e discrição, quem vai esclarecer o mistério. Na sala, a família ansiosa espia com rancor a gorda face do João impassível. E na alcova, demorado e minucioso exame continua.

Já o velho doutor, com a cabeça encanecida sobre a pele nua do peito da enferma, auscultou longamente os seus pulmões delicados: já, levemente apertando entre os dedos aquele punho macio e branco, tateou o pulso, ténue como um fio de seda... Agora, com o olhar arguto, percorre a pele da bela Clarice — branca e cheirosa pele — o colo, a cinta, o resto... De repente — que é aquilo que o velho e austero doutor percebe na pele, abaixo... abaixo...abaixo do ventre?... Leves escoriações, quase imperceptíveis arranhaduras avultam aqui e ali vagamente... nas coxas...

O velho e austero doutor Ximenes funga uma pitada, coça a calva, olha fixamente os olhos da sua doente, toda alvoroçada de pudor:— Isto que é, filha? Pulgas? Unhas de gato? E a bela Clarice, toda de confusão, enrolando-se no penteador de musselina como n’uma nuvem, balbucia, corando:

— Não! Não é nada... não sei... isto é... talvez seja dos óculos do João...

Olavo Bilac

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Do Quiosque para o Mundo
Sátira...

«DO QUIOSQUE PARA O MUNDO»

Num quiosque de jornais
Conheci vidas riquíssimas…
Fui acabar na ‘Raríssimas’,
O dinheiro nunca é demais!
Eu ambicionava ter mais…
A ocasião faz o ladrão,
Aprendi que a corrupção
Era forma d’enriquecer…
Com amigos no Poder,
Corrompi a ‘Instituição’.

POETA

SÁTIRA...

Cumprimentos à Família
Sátira...

«CUMPRIMENTOS À FAMÍLIA»

- Tu tem calma amigo,
A situação vai melhorar…
Sentado podes esperar,
Faz o que eu te digo.
- Estavas a falar comigo?
- Com o parente do lado…
Esse pobre desgraçado
Tem os recibos em dia…
Mandei saudades à tia,
Assim fico mais aliviado.

POETA

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

PARÓDIA DESPORTIVA...

Ai Vida!
Paródia Desportiva...

«AI VIDA!»

- Só vejo duas vidas,
Cuidado não te atrases…
Olha lá o que fazes,
São derrotas seguidas!
As velas tremidas
Reza não se extingam,
Os sócios respingam
Não te posso salvar…
- Isto mal vai terminar,
Já todos me seringam!

Ateop

OUTROS CONTOS

«Fémur Partido», conto poético por Manel d' Sousa.

«Fémur Partido»
Amigo Chico Manel

1125- «FÉMUR PARTIDO»

O Altejo sem andar,
Tanto tempo parado…
Tirei-me de cuidado,
Resolvi telefonar.
O próprio a informar
Do que havia sucedido,
O fémur partido
Num azar caseiro…
Desejo fique inteiro,
E o Chico restabelecido.

Manel d’ Sousa

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

A Justa Demissão
Sátira...

«A JUSTA DEMISSÃO»

- A ex-presidente da Raríssimas
Veio dizer que o seu ordenado
Era justissimamente apropriado,
E com contas atualizadíssimas!
- Por todas as virgens santíssimas!!...
Meter ao bolso tornou-se banal…
(Prática muito comum em Portugal)
Agora falar de ordenado justo?...
É inapropriadamente injusto
E provocação a quem vive mal!

POETA

SÁTIRA...

Nunca Digas Nunca
Sátira...

«NUNCA DIGAS NUNCA»

- Situações tristíssimas!...
Mas afinal… houve ou não
Falcatrua na gestão
Da badalada Raríssimas?
- As coisas são claríssimas…
Sobre isso, nem um pio!
- Juras que tal nunca existiu?
- Jurar é perigosíssimo…
Nunca?... isso é raríssimo!!
- Conclusão: houve quem se serviu!

POETA

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Monumentos do Melhor Destino Turístico
Sátira...

«MONUMENTOS DO MELHOR DESTINO TURÍSTICO»

Este novo monumento
Baptizado Geringonça,
Sucedeu aos amigos da onça 
Reis do empobrecimento!
Nem um pouco lamento
A troca que o povo fez,
Tirou dois, meteu três
Em cima do pedestal…
O turismo em Portugal
Melhor destino de vez!

POETA

SÁTIRA...

O Livro Sagrado
Sátira...

«O LIVRO SAGRADO»

- Zé, tenho livro na forja
Sobre minha governação,
É com grande satisfação
Que te apresento a corja!
- Foste tu que deste gorja
A quem bem te apeteceu,
O país empobreceu
Não deixaste cá saudade…
Com a tua austeridade,
Esse livro já morreu!

POETA

sábado, 9 de dezembro de 2017

OUTROS CONTOS

«Pelo Zurro o Burro», conto académico por Almeida Garrett.

«Pelo Zurro o Burro»
Caprichos/ Goya

1124- «PELO ZURRO O BURRO»

Era uma vez: diz mestre La Fontaine.
Que lho dissera Fedro seu amigo.
Que lho dissera um grego corcovado…
Pois tudo neste mundo vai por ditos,
Tudo se diz porque outros o disseram…
E talvez que não fosse La Fontaine,
Mas foi outro que tal, que vale o mesmo.
Um dia… mas o fio à minha história
Não o torno a quebrar por coisa alguma:
Poema que tem muitos episódios
Nunca pode ser bom, nem bons ser eles:
Diz padre Horácio ou outro tal como ele
Destes que intentam acanhar o génio
Com leis servis por eles arranjadas
Que, segundo a moderna guapa escota,
As não pode sofrer de tais birbantes.
Um dia pois o pai de homens e numes,
Como eu ia contando aos meus leitores…
– Se é que a sorte, que os nega a bons poetas
Mos deparar a mim, chulo trovista –
A rogos, mas de quem já me não lembra,
Asno felpudo de orelhões caídos
Quis transformar em férvido ginete;
E ao bom Mercúrio, seu fiel ministro,
Manda que o longo pêlo lhe tosquie
E um bom naco cerceie das orelhas.
Era grande o burrico, nédio e gordo.
E por milagre do supremo Jove,
Que sempre faz como este bons milagres,
Ei-lo desempenado e mui lampeiro,
Qual andaluz coroei ou égua arábia,
A par doutros corcéis se vai trotando.
O povo cavalar na forma nova
Não reconhece a burrical maranha.
Como eles folgazão retouça e pula,
Ladeia, faz coroavas, trava o passo,
Enfim parece – tanto podem numes
E tal é o poder de um bom milagre! –
Cavalo-mestre e feito em picaria.
– Qual rústico peão de bronca aldeia
De tamancos nos pés, no saco a broa,
Que vem para embarcar lá da província,
E para um tio, que é senhor de engenho,
Ricaço em pretos, em arroz, melaço,
Engoiado aprendiz vai ser caixeiro:
Morre-lhe o tio, eis o rapaz num sino,
Vende pretos e pretas e melaço,
E vem, Creso de cocos e patacas,
Meter toda Lisboa num chinelo:
Já por boas, luzentes amarelas
Serôdio compra fidalguesco foro…
Dantes – que hoje a visita da saúde,
Em cheirando a caturra, a bordo o prende,
E é já barão quando põe pé em terra.
Ei-lo que alteia os ombros encolhidos,
Entufa em vento as bochechudas belfas,
Empina a pança, engrossa a voz pausada.
E no tropel dos nobres envolvido,
Se o não conheces, crera-lo provindo
Dos que nos velhos pergaminhos vivem.
Tal já desorelhado e ufano o burro
Entre altivos ginetes campeava.
Mas, oh! fado infeliz, mesquinha sorte!
Quando entre os novos ledos companheiros
Se vai trotando com pimpão meneio,
Ei-lo depara com vilã jumenta
De hirsuta felpa e de costado esguio,
Que os fios corta d’alma a quem a via,
Como bem diz Latino-luso vate
De mui gaiata e festival memória,
Súbito esquece o recém-nobre estado,
Lembram-lhe antigos, burricais requebros
E o tom galanteador de asnal namoro:
Estira amante o beijador focinho,
E em notas de invejar por um Lablache,
Salmeia airoso, compassado orneio,
Deixa os amigos e a zurrar se fica?
Ora pois, como fez o senhor lave,
Fez certo grão senhor de letras gordas
E protector das magras. – Foi milagre
Que pela intercessão foi operado
De uma a que chamam deusa da Sandice,
De outra Impostura e de outra Pedantice…
Começa o caso co outro parecido.
Havia em certa terra muito longe,
Lá nas pontes dos pés deste hemisfério,
Que dizem fora outrora povoada
Por certo beberrão feitor de Saco,
Havia uma família de animálculos,
Zoófitos, e quase microscópicos,
Aos quais Lineu, que achou nomes a tudo,
Nunca deu nome, nem espécie ou género,
Nem eu lho sei também, só sei que arrotam
Textos, medalhas, químicas rançosas,
Que trazem na algibeira um compassinho,
Muito acanhado, curto e pequenino,
Talhado ao molde dos miolos deles,
Com que querem medir todo este mundo.
Destes pois – e aqui vai o grão milagre –
Burros na forma, na ciência burros,
Mas burros mais que tudo na cachola,
Quis o tal grão senhor citado acima
Fazer– ó musa o quê? – Dize, não temas,
Não fujas, diz e vai-te. – «Uma Academia»
Disse a musa e safou-se às gargalhadas.
Mas que Academia! – Oh! venham as brilhantes
De Londres, de Paris, de Petersburgo
Beber aqui ciência não sabida
De assopradas, pomposas ninharias.
Que produções, que produções! Oh quanto
Quanto seria mais se um deus maligno,
Inimigo dos guapos académicos,
Das três que Deus nos deu potências de alma
Lhes não sacasse duas à sorrelfa,
Deixando só memórias e memórias…
Quanto seria mais, quanto fulgira
Em gordos, grossos, grandes calhamaços
A portuguesa, majestosa língua,
Se os novos sábios, no começo à empresa,
A antigas manhas não perdendo o afinco,
Não encontrassem por desgraça nossa
Cum pérfido azurrar – zurrar maldito!…
Ficaram no Azurrar sempre zurrando.

Almeida Garrett

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(8 de Dezembro de 1980- é assassinado o poeta, músico, cantor, compositor e um dos fundadores da banda britânica The Beatles, John Lennon)

JOHN LENNON - «Walls and Bridges»
(Álbum Completo)

Poet'anarquista

John Lennon
Músico Britânico

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(8 de Dezembro de 1943- nasce o poeta, cantor e compositor estadunidense, Jim Morrison)

THE DOORS - «Morrison Hotel»
(Álbum Completo)

Poet'anarquista

The Doors
Banda Estadunidense

OUTROS CONTOS

«O Riso de Deus», por António Alçada Baptista.

«O Riso de Deus»
António Alçada Baptista

1123- «O RISO DE DEUS»

[Excertos]

“É que a gente ainda não se deu bem conta das virtudes das nossas fraquezas: às vezes, aquilo que faz do foguetão que nos coloca numa órbita donde se lança outro olhar sobre o planeta Terra, são os nossos medos, ou o nosso orgulho, ou a nossa incapacidade de agarrar formas de poder.

Outra coisa: acho que a nossa vida tem ciclos. Julgo que estou no fim de mais um ciclo e que vou começar outro. Então temos uma imensa vontade de nos olharmos por dentro para compreender e pôr em ordem as coisas que por lá andam em desalinho. Este ciclo é capaz de ser o último mas o mais decisivo: é o resultado de uma vida e por isso é preciso fazer uma paragem para ver se se encontra o caminho que vai dar ao amor. Dói muito o amor no Outono porque nos é agora muito evidente que andámos enganados, que temos de descobrir outra estrada e que, para isso, não é fácil arranjar companhia…o Malraux dizia que “quando os sistemas de valores se desmoronam, o homem não encontra mais que o seu corpo.”

(…)

Os que sonham a dormir sabem, de manhã, que isso era uma ilusão mas os que sonham de olhos abertos, acreditam que o estofo do futuro será feito desse sonho.”

***

“A letra de Deus nem sempre é decifrável e ninguém conhece a língua em que escreveu a alma humana.”

“A gente não pode perder a esperança na realização dos sonhos e temos de manter isso até à hora da morte.

… a gente vai aprendendo, aprendendo, e, quando já está a saber quase tudo, morre…”

“- Rita: eu acho que Deus tem assim um sorriso como o teu quando nos vê amargurados…

- E eu acho que ele se ri mas é daqueles que andam por aí, muito contentes e convencidos, a fazerem o mundo como está…”

“Possivelmente, o amor continua a chamar-nos do centro do labirinto e nós andamos às voltas sem sermos capazes de o encontrar.”

António Alçada Baptista

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

SÁTIRA...

Desporto Nacional
Sátira...

«DESPORTO NACIONAL»

Se não me enganei a contar…
99 cêntimos mais 1 cêntimo,
Dá 1 euro… somatório óptimo!...
Com os outros que vou somar,
Pra alguma coisa deve chegar.
Se alguém disser: ‘comprove’,
É só fazer a prova dos nove…
Não sou mau em aritmética,
Mas são os versos com métrica
O que realmente me comove!

POETA

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

SÁTIRA...

Viagens
Sátira...

«VIAGENS»

- Maria, diz aqui no jornal…
Creio não haver engano,
Que o governo no próximo ano
Fará viagens fora do normal.
- Zé, velha prática ancestral
Dos políticos à nossa custa…
O que gastam, até assusta!
- Pena a viajem adquirida
Não ser mesmo só de ida…
Sem volta, era mais justa.

POETA

terça-feira, 28 de novembro de 2017

OUTROS CONTOS

«O Peru de Natal», por Alberto Moravia.

«O Peru de Natal»
Peru de Natal/ Carlos Orduña

1122- «O PERU DE NATAL»

No dia de Natal, quando o comerciante Policarpi-Curcio ouviu no telefone a mulher pedindo-lhe que chegasse em casa pontualmente porque tinha peru, alegrou-se muito, visto que, com o passar dos anos, não lhe restara outra paixão a não ser a gula. Imensa porém foi sua surpresa quando, ao chegar em casa por volta de meio-dia, encontrou o peru não na cozinha, enfiado no espeto e girando lentamente sobre um fogo de carvão, mas na sala de visita. O peru, vestido com elegância antiquada, com um paletó preto com debruns de seda, calças em tecido xadrez preto e branco e colete cinza com botões de osso, conversava com a filha de Curcio. A surpresa de Curcio ao encontrar o peru numa atitude e num lugar tão insólitos foi tão grande que, após as apresentações, aproveitando um momento de silêncio, ele não pôde deixar de inclinar-se para frente e dizer com cortesia mas também com firmeza: "Com licença, senhor... não sei se estou enganado... mas... mas me parece que o seu lugar não deveria ser aqui... repito, não sei se estou enganado... mas... o seu lugar deveria ser..." ia dizer "na panela", quando a mulher que, como ela mesma dizia, conhecia o seu rebanho, pisou-lhe no pé; e Curcio, que sabia por longa experiência o que significava aquele gesto, calou-se. A mulher, então, fez-lhe um sinal e, arrastando-o para fora da sala, disse-lhe em voz baixa e excitada que, pelo amor de Deus, não estragasse tudo. O peru era nobre, rico e influente; enfim, um excelente partido; e já demonstrava um interesse particular e evidentíssimo por Roseta; por acaso, com seus estúpidos comentários, ele queria acabar com o casamento que estava quase para se concretizar? Curcio desculpou-se com a mulher e jurou que não abriria mais a boca. Quanto ao peru, a pergunta do anfitrião desavisado teve apenas o efeito de fazê-lo pegar o monóculo e examinar o infeliz de cima a baixo. Logo depois voltou a conversar com a filha de Curcio.

"Não adianta falar", pensava Curcio daí a pouco, sentado à mesa, enquanto a mulher se desdobrava em cortesias com o peru, "com um tipo como este, mais que dar-lhe a filha em casamento, a gente gostaria de torcer-lhe o pescoço". Curcio estava irritado sobretudo com o ar de superioridade e displicência que o peru assumia toda vez que lhe dirigia a palavra. Curcio sabia muito bem que vinha, como se costuma dizer, do nada, e que suas maneiras não eram tão elegantes como a mulher e a filha desejariam que fossem. Mas ele trabalhara a vida toda e ganhara muito dinheiro, era essa a razão pela qual não tinha tido tempo de cuidar da sua educação. O peru, ao contrário, com toda aquela empáfia, não poderia dizer o mesmo. Belas maneiras, sem dúvida, ares de grão-senhor, mas no final das contas, Curcio poderia jurar, pouca substância. Outra coisa que irritava Curcio era a maneira com a qual o peru, após ter dito alguma coisa espirituosa ou profunda, atirava a cabeça para trás, enfiando o bico e os barbilhões na gravata preta de plastrão e estufando o peito debaixo do colete. E finalmente o peru falava com a mulher de Curcio com a mesma escolha cuidadosa de palavras e a mesma modulada preciosidade de acento com que se dirigiria a uma duquesa. Mas Curcio enfurecia-se porque lhe parecia perceber certa dose de ironia neste respeito excessivo. "Para a panela", pensava, "para a panela...” 

Contudo, essa antipatia de Curcio era mais do que compensada pela enfatuação das duas mulheres, mãe e filha, pelo peru. A mulher de Curcio e Roseta ficavam simplesmente suspensas aos lábios, ou melhor, aos barbilhões do peru, que as fascinava com seus relatos incríveis de festas, divertimentos, viagens, sucessos mundanos. A familiaridade respeitosa de um peru como aquele, que tinha intimidade com a alta sociedade, envaidecia a mãe. Quanto a Roseta, ela enrubescia, empalidecia, tremia e dirigia ao peru olhares ora suplicantes, ora inflamados, ora lânguidos, ora assustados. Acontece que desde o início do almoço o pé do peru, calçado numa antiquada mas elegante bota de camurça cinza com botões de madrepérola, não parava um instante sequer de molestar a sapatilha da moça.

Depois que o peru foi embora, houve uma discussão violentíssima entre Curcio e a mulher. Curcio dizia que estava na hora de parar com esses elegantões sofisticados e esnobes que, como todo mundo sabe, escondem sob a arrogância um monte de trapaças. Ele tinha trabalhado a vida toda e não se sentia inferior a nenhum peru deste mundo. A mulher respondia que este furor era inútil; o peru nunca afirmou que era superior a ele; que bicho o tinha mordido? Quanto a Roseta, tendo-se deitado como costumava fazer todo dia depois do almoço, já estava sonhando com o peru. Via-o inclinado sobre ela que estava deitada de costas, as asas em volta de seus ombros, o bico sobre seus lábios entreabertos. 0 peru olha para ela carrancudo, e começa a estufar-se, a estufar-se, enchendo o quarto com suas penas cinzentas; mas, embora seja imenso ele parece leve ao colo de Roseta que suspira no sono e murmura: "Querido peru".

Nos dias seguintes apesar da crescente e visível antipatia de Curcio, o peru acabou se instalando na casa. Almoçava com eles; em seguida, ia para a sala de visita com a filha e lá ficava até a hora do jantar. Os dois, disse a mulher a Curcio, estavam praticamente noivos, embora o peru por motivos de família não quisesse que fosse feito, por enquanto, o anúncio oficial. "Belo genro", resmungava Curcio, “aceito um homem trabalhador, simples, de bom coração, mas um peru..." Curcio, entrando em casa, podia ver, através dos vidros da porta da sala, a graciosa cabeça da filha ao lado da cabeça oca, feroz e estúpida do peru. Ele pensava que aquelas mãozinhas tão brancas e miúdas podiam estar acariciando aqueles barbilhões vermelhos e enrugados e sua antipatia aumentava.

Acontece que, mesmo continuando a cortejar Roseta, o peru não se decidia a pedi-la em casamento. Até a mãe começava a ficar preocupada. Se era um peru sério, disse ela um dia para a filha, devia apresentar-se aos pais e pedi-la em casamento. Roseta, ao ouvir essas palavras, olhou assustada para a mãe e não disse nada. Na realidade, o peru tinha conseguido desde os primeiros dias obter da moça os extremos favores. E agora ela, não menos que a mãe, estava ansiosa para que o peru regularizasse , por assim dizer, sua situação.

Um dia Roseta recebeu o peru na sala com um rio de lágrimas. Ela não podia viver daquela maneira, balbuciava entredentes, mentindo para si mesma e para os pais O peru percorria a sala com largas passadas, as penas desalinhadas fora do colete, o bico entreaberto e enfurecido, os olhos injectados de sangue. Finalmente disse-lhe que ela podia tirar da cabeça a ideia de casamento. Em vez de casar, se ela quisesse, podia fugir com ele para o exterior. Naquela noite ou nunca mais. Após muitas hesitações, Roseta acabou concordando.

Naquela noite, Curcio, que sofria de insónia, levantou-se para ir tomar um pouco de ar na janela. Era uma noite de verão com a lua no auge de seu esplendor. Os Curcio moravam num palacete. Olhando pela janela, sem fazer barulho nem acender as luzes para não acordar a mulher, a primeira coisa que viu foi a sombra gigantesca do peru, com a cabeça erguida e o pescoço estufado, o bico verruguento virado para cima, reflectida nitidamente na parede da casa inundada pela branca luz do luar. Ele baixou os olhos .e ainda teve tempo de ver a filha pular de uma janela do primeiro andar entre os braços do peru. Este, carregando-a nos braços como se fosse uma trouxa, com uma força de que ninguém suspeitaria, rapidamente levava a moça em direcção ao portão. Curcio acordou a mulher, correu a buscar uma velha espingarda. Mas quando desceu não encontrou nenhum sinal dos fugitivos.

No dia seguinte, Curcio deu parte à policia do rapto. Mas nas delegacias ninguém acreditou. Um peru, diziam, como é possível que um peru tenha raptado sua filha. Os perus ficam nas gaiolas. Aliás a filha era maior de idade e não havia nada a fazer.

Mas as trapaças do peru foram descobertas assim mesmo. Descobriu-se que era casado, com filhos. Descobriu-se ainda que não era nem nobre nem rico, mas apenas um simples garçon expulso de vários lugares por furto. Curcio exultava, embora cheio de bílis. A mulher só chorava e chamava a filha.

Tudo acabou com o costumeiro pedido de resgate; e Curcio teve que desembolsar muitos daqueles "belos tostões" ganhos com tanto sacrifício para ter de volta em casa a filha desonrada. Isso aconteceu em Dezembro. No dia de Natal, a mulher telefonou para Curcio pedindo que não demorasse a voltar para casa já que havia peru; para eliminar qualquer equívoco, acrescentou que se tratava de uma pessoa muito séria que demonstrava uma visível inclinação por Roseta. Não era, enfim, um peru como aquele do ano passado, quanto a isso podia confiar. "Eis como são as mulheres", pensou Curcio. Mas desta vez ele jurou que abriria bem os olhos, e não se deixaria enganar pelas falsas aparências e pelas palavras vazias de nenhum peru, fosse ele aristocrático ou plebeu.

Alberto Moravia