quarta-feira, 24 de junho de 2015

OUTROS CONTOS

«Noite Escura», conto poético por São João da Cruz.

«Noite Escura»
Gravura de Oswaldo Goeldi

541- «NOITE ESCURA»

Em uma Noite escura,
com ânsias, em amores inflamada,
oh, ditosa ventura!,
saí sem ser notada,
estando já mi’a casa sossegada;

às escuras, segura,
pela secreta escada disfarçada,
oh, ditosa ventura!,
no escuro, emboscada,
estando já mi’a casa sossegada;

pela Noite ditosa,
em segredo, de todos escondida
e co’a vista trevosa,
sem outra luz ou guia
que aquela que em meu coração ardia.

Ela é que me guiava,
mais firme do que a luz do meio-dia,
até onde esperava
quem eu já bem sabia,
ali onde ninguém aparecia.

Oh, Noite que guiaste!
oh, Noite mais amável que alvorada!
oh, Noite que juntaste
Amado com amada,
Neste Amado transformada!

Em meu peito florido,
que todo só p’ra ele se guardava,
pousou adormecido;
afagos eu lhe dava
e de cedros o leque refrescava.

Da ameia o ar soprado,
quando eu seus cabelos rafiava,
com seu toque aplacado
meu colo molestava
e todos meus sentidos enlevava.

Quedei-me, olvidei-me,
minha face reclinei sobre o Amado;
cessou tudo, deixei-me,
deixando meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.

São João da Cruz

Sem comentários: