segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

OUTROS CONTOS

«A Montra», por José Gomes Ferreira.

«A Montra»
Conto de José Gomes Ferreira

412- «A MONTRA»

[Pequeno Excerto]

«Era a apoteose ao Porco em toda a pujança duma indigestão fabulosa numa barriga transparente!

Confesso que me apeteceu, pelo menos, arrotar de aplauso.

Em vez disso, porém - caminhos complicados os do homem! - aquela paisagem grosseira inventou-me uma melodia delicada e espiritual de violino longo. E tive saudades.

Sim! Tive saudades absurdas da Paz autêntica que nunca gozei, eu que pertenço a uma geração que já gramou - repito: que positivamente já gramou! - duas guerras universais com as respectivas consequências do ódio estrangulador de todas as pombas.

Senti saudades, não do passo, mas dum futuro qualquer, tão distante, tão lá no fundo, tão sonho, tecido apenas de pequenas coisas doces, num mundo menos pesado de cadáveres, desdenhoso de outro heroísmo que não fosse o de vivermos a teima dos dias persistentes e, sobretudo, alheio à horrível morte colectiva a substituir a boa, a individual, a sagrada morte de cada um.

- Vitória!… Vitória!…

… Assim cogitei toda a tarde, no oitavo dia do mês de Maio de mil novecentos e quarenta e cinco, data em que findou a segunda grande guerra mundial no meio de vivas e de bandeiras de triunfo, e em que tentei, em vão, resignar-me ao mundo dos outros e às montras de enchidos de porco - sem estrelas reflectidas nos livros»

José Gomes Ferreira

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