sexta-feira, 12 de setembro de 2014

«OSSOS DE SIBA», POR EUGENIO MONTALE

Poeta Italiano Eugenio Montale
Nobel da Literatura/ 1975

OSSOS DE SIBA

Não busques abrigo na sombra 
desse bosque de verdura 
qual o falcão que mergulha 
como um raio na canícula.

É hora de deixar quieto
o caniçal sonolento
e de observar as formas
da vida que se esboroa

Caminhamos numa poeira 
de madrepérola vibrante, 
num ofuscamento pegajoso 
que quase nos desfibra.

No entanto, tu o sentes, mesmo na onda árida 
que lassidão nos traz neste instante de enfado 
não é hora ainda de lançar num abismo 
nossas vidas errantes.

Como este claustro de rochas 
que parece desfiar-se 
em teias de nuvens; 
assim nossas almas ressequidas

onde a ilusão mantém aceso 
um fogo mais de cinzas 
se entregam à serenidade 
de uma certeza: da luz.

Repenso o teu sorriso e é para mim como uma água límpida 
retida por acaso entre as pedras de um rio, 
exíguo espelho onde contemplas uma hera e seus corimbos; 
e tudo sob o abraço de um branco céu tranquilo.

Esta é a minha lembrança; não sei dizer, faz tanto tempo, 
se de teu rosto surge livre uma alma ingênua, 
ou se em verdade és dos errantes que o mal do mundo exaure 
e o sofrimento carregam como um talismã.

Mas posso dizer-te isto, que teu rosto recordado 
afoga a mágoa inconstante numa onda de calma, 
e que tua figura se insinua em minha memória nevoenta 
imaculada como a copa de uma jovem palmeira...

Eugenio Montale

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