sábado, 14 de dezembro de 2013

POESIA - TEIXEIRA DE PASCOAES

O poeta e escritor português Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, de pseudónimo Teixeira de Pascoaes, nasceu em Amarante, a 8 de Novembro de 1877. Foi considerado o principal representante do saudosismo. Teixeira de Pascoaes faleceu em Gatão, a 14 de Dezembro de 1952.
Poet’anarquista 
Retrato de Teixeira de Pascoaes
Por Ana Paula Lopes
SOBRE O ESCRITOR…

Teixeira de Pascoaes produziu a partir da experiência existencial da saudade - presente de forma vaga e imprecisa nos seus primeiros textos em verso - uma reflexão, a que subjaz o princípio fundamental de que o ser manifesta uma condição saudosa. Do Ser ao ser, processa-se uma verdadeira queda ontológica, uma cisão existencial, manifestando o mundo, na sua condição decaída, um «pathos universal». Da condição saudosa de ser resulta pois uma condição dolorosa do mesmo ser. Dor de privação, dor de saudade, consciência da finitude, de imperfeição, de insuficiência ôntica.

A experiência da dor pelo homem saudoso, é simultaneamente individual e universal. Por ela o homem–poeta entende o mundo como «uma eterna recordação», percebendo a realidade como evocadora de uma outra realidade mais real que aquela.

A condição dramática da existência manifesta-se assim numa permanente tensão entre Ser e existir. O homem existe num primeiro nível de dignidade ontológica, partilhando pelo corpo o mundo da matéria, e vive pelo espírito. A vida é pois uma eterna aspiração à ultrapassagem da realidade material. A alienação é a situação que resulta da impossibilidade de o homem ser, verdadeiramente. Dividido entre assumir-se como puro espírito ou pura matéria, o homem não é nem pode ser verdadeiramente, oscilando eternamente entre uma e outra condição.

A saudade pascoaesiana transcende assim o mero sentimento individual, para assumir uma dimensão ontológica e metafísica. Na mesma medida em que todo o Universo «é a expressão cósmica da saudade» enquanto «infinita lembrança da esperança», a saudade psicológica, individual, assume, enquanto o homem partilha a condição do mundo, uma dimensão metafísica. Enquanto o homem como ser finito e imperfeito aspira à perfeição de ser, a saudade assume uma dimensão ontológica.

A saudade encarada do ponto de vista existencial leva o autor a conceber a natureza como sagrada, uma vez que a saudade do mundo é também saudade de Deus, de um Deus presente nas próprias coisas. É a divindade que se apropria de si mesma na evolução da natureza, pelo que Pascoaes postula a sacralização da mesma natureza. Deus existe antes e independentemente do homem; no entanto a vida, confere-lha o próprio homem.

O pensamento de Teixeira de Pascoaes manifesta assim, uma particular forma de religiosidade, que provém desde logo desta presença de Deus na natureza e da sua evidenciação nela. O autor concebe uma ordem na natureza, um princípio teleológico alheio ao acaso que deixa supor uma inteligência ordenadora que presida às transformações da realidade. Todo o esforço humano será para penetrar o Mistério da vida e do cosmos.

Deveremos referir ainda, que Pascoaes manifesta uma evidente preocupação com a natureza das relações do homem com a paisagem que o envolve, podendo mesmo considerar-se que há profundas preocupações ecológicas na sua obra. A sacralização da natureza de que falamos, determina uma relação de profundo respeito do homem pela paisagem e o cuidado com a sua preservação. Perpassa na sua obra um desencanto com o progresso que deveremos no entanto contextualizar. Trata-se da recusa de um progresso descaracterizador da natureza.

Sensivelmente de 1910 a 1919, Teixeira de Pascoaes teoriza o saudosismo, pensamento que desenvolve no âmbito do movimento da «Renascença portuguesa», de cujo órgão oficial, «A Águia», foi director. O saudosismo acaba por designar o movimento de cunho lusitanista estruturado em torno à questão da saudade portuguesa. Particularmente influenciado pelo momento político que se vivia em Portugal com o advento da República, e condicionado ainda, pela persistente crise que afectava a sociedade e a cultura nacionais, o pensador de Amarante desenvolve uma particular atenção às características particulares diferenciadoras do «génio lusitano», considerando a necessidade de preservar a identidade nacional, pela promoção do encontro de Portugal com a suas próprias raízes. O génio português encontra a sua síntese na saudade lusíada, que, não obstante ser um sentimento cósmico encontra num povo caracteristicamente saudosista a sua expressão mais apurada. Apenas a palavra portuguesa, «saudade», permite revelar algo da sua natureza essencialmente misteriosa, pelo que o autor parece esquecer o conceito universalista de saudade, para evidenciar o seu carácter intraduzível, e conceber mesmo uma teoria ortográfica cujo axioma fundamental determinava a necessidade de fazer corresponder a ortografia das palavras ao seu perfil psicológico. Para o autor «as palavras são seres» e nessa circunstância possuem um perfil físico e outro psicológico, que deverão estar em harmonia ao apresentar-se na sua forma gráfica.

O saudosismo manifesta ainda um caracter messiânico e profético aceitando Pascoaes o advento de uma nova «era lusíada».

A tese da exclusividade lusa da saudade provocou as mais desencontradas reacções, sendo de realçar o enfrentamento que teve lugar entre o núcleo Saudosista e o Seareiro, provocando tensões evidentes entre Pascoaes ele próprio, e António Sérgio, reflectidas na importante polémica que ambos mantiveram. Não deveremos esquecer, porém, que a saudade portuguesa manifesta uma ligação clara à saudade universal. Se existe uma saudade portuguesa, é porque existe igualmente a saudade experenciada por outros povos. Refira-se no entanto, que o autor não foi suficientemente explícito nesta questão, particularmente durante o período em que se envolveu no movimento da «Renascença Portuguesa».

De destacar ainda que a ontologia monista e panteísta perfilhada por Teixeira de Pascoaes, concebendo que «tudo está em tudo», e que a inteligibilidade dos seres particulares se estrutura na referência ao todo de que fazem parte, determina que também a saudade lusíada encontre a sua origem na saudade universal apenas podendo por ela ser compreendida.

A saudade é uma via para o conhecimento: por ela abre-se uma via para uma mundividencia, uma concepção geral da existência. O «pensamento poético» de Teixeira de Pascoaes é a expressão da possibilidade de conhecimento que se abre pela via da saudade. O conhecimento poético é simultaneamente estético, metafísico e ontológico: estético porque o que lhe é próprio se conhece pelo sentimento, metafísico e ontológico porque o seu horizonte é o da verdade que manifesta um caracter transcendente.
Fonte: cvc.instituto-camões.pt/

O POETA

Ninguém contempla as coisas admirado.
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar...
E se olho a terra, a flor, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar!

É tudo para mim extraordinário!
Uma pedra é fantástica! Alto monte,
Terra viva a sangrar, como um Calvário
E branco espetro, ao luar, a minha fonte!

É tudo luz e voz, tudo me fala:
Ouço lamúrias de almas no arvoredo
Quando a tarde tão lívida se cala
Porque adivinha a noite e lhe tem medo

Não posso abrir os olhos sem abrir
Meu coração à dor e à alegria.
Cada coisa nos sabe transmitir
Uma estranha e quimérica harmonia!

É bem certo quer tu, meu coração,
Participas de toda a Natureza.
Tens montanhas na tua solidão
E crepúsculos negros de tristeza!

As coisas que me cercam silenciosas
São almas a chorar que me procuram.
Quantas vagas palavras misteriosas
Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram!

Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos,
Beijam meus olhos sombras de mistério.
Sinto que perco, às vezes, os sentidos
E que vou a flutuar num rio aéreo...

Teixeira de Pascoaes

ERA O SER DE OLHAR DUPLO, CONTEMPLANDO

Era o ser de olhar duplo, contemplando
O reino a que pertence e o seu etéreo
Desdobramento anímico; e, por isso
Olhava as duas faces do Mistério.

Teixeira de Pascoaes

TRÁGICA RECORDAÇÃO

Meu Deus! meu Deus! quando me lembro agora
De o ver brincar, e avisto novamente
Seu pequenino Vulto transcendente,
Mas tão perfeito e vivo como outrora!

Julgo que ele ainda vive; e que, lá fora,
Fala em voz alta e brinca alegremente,
E volve os olhos verdes para a gente,
Dois berços de embalar a luz da aurora!

Julgo que ele ainda vive, mas já perto
Da Morte: sombra escura, abismo aberto...
Pesadelo de treva e nevoeiro!

Ó visão da Criança ao pé da Morte!
E a da Mãe, tendo ao lado a negra sorte
A calcular-lhe o golpe traiçoeiro! 

Teixeira de Pascoaes

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