segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

OUTROS CONTOS

«Breve Conto de Natal», por Luís Galhardas.

«Breve Conto de Natal»
Ilustração: Paula Costa

46- «BREVE CONTO DE NATAL»

A cidade adormece num cenário quase rotineiro.
Quase..., porque esta noite instalou-se um frio de rachar, que penetra impiedosamente quem o enfrenta.

Só este componente atmosférico desagradável diferencia esta noite da anterior e de muitas noites antes desta, que foram metodicamente iguais.

Nos locais habituais onde as estrelas são visíveis com um simples arremelgar ou onde o vento se faz sentir, endiabrado, sem outra sorte que não seja suportá-lo, os mesmos vultos, sem nome e sem destino, acomodam-se o melhor que podem, com a esperança irrisória de que mais uma noite passe.

Tento afastar-me, abafado no calor aconchegante do meu sobretudo de burguês, fugir a sete pés daquele local habitual onde “descansam” vultos humanos sob pilhas de cartão prensado.

Um grupo de crianças soa a alguma distância com a alegria estampada nas vozes que procuram afinar a canção: –é Natal, é Natal, já nasceu Jesus...

Um dos vultos, sob a amálgama de cartão prensado, pragueja em réplica à melodia: «é Natal o caraças...», e desfila um chorrilho de obscenidades irrepetíveis. O ar fica empestado com um cheiro pouco recomendável, apesar da aragem fria se renovar constantemente.

Assustado..., fujo a sete pés daquele local habitual onde não é Natal.

Luís Galhardas

Sem comentários: