segunda-feira, 4 de junho de 2012

«RETRATOS»... POR RUFINO CASABLANCA

II RETRATO - «CHIBÍA MILONGO»
Autor: Rufino Casablanca
Ilustrações: João Fontes
Publicação «I Retrato» aqui «RETRATOS»... POR RUFINO CASABLANCA


«CHIBÍA MILONGO»

Curiosamente a Chibía não nasceu no Alandroal. Nasceu em Lubango, Angola. Chegou com aquela vaga de retornados em 75, e instalou-se, ainda adolescente, na Aldeia da Venda, Santiago Maior. O facto de ter nascido em Angola nunca a impediu de dizer que a Aldeia da Venda era a sua terra. Por vezes, quando alguém lhe comentava a cor da pele, acrescentava que era uma mistura de cuanhama e sacaia. Isto quando estava bem disposta. Se a boa disposição andava arredia, pura e simplesmente mandava o interlocutor à merda. Ou para outro sítio bem pior. Tivera familiares em todos os movimentos de libertação de Angola, alguns com muitos anos de prisão no campo de concentração de S. Nicolau. Tinha aquele tom de pele dourado que o Chico Buarque canta nas mulatas. E quando queria ser provocante, o que acontecia muitas vezes, também usava um chocalho amarrado na canela. Tinha aquele movimento de cintura, sensual, gostoso, das mulheres africanas, no entanto, quando lhe perguntavam de onde era, respondia carregando na pronúncia - « Sou alentejana. Sou da Aldeia da Venda. Porquê? » respondona, como estão a ver!

«Chíbia Milongo»
Desenho por João Fontes

Quando começámos a andar juntos, disse-me que já tinha dormido com homens de todos os continentes e que eu, apesar de algumas falhas, tinha passado no teste. Assim mesmo. Esqueci-me de dizer que a Chibía trabalhava em aviação comercial. Primeiro, foi hospedeira de bordo, depois, quando chegaram os trinta anos, passou para o serviço administrativo, e nos últimos tempos chefiava um sector de assistência a bordo. Continuava a viajar muito o que me causava uns ciúmes danados.

«Avião Comercial Levantando Voo»
Desenho por João Fontes

Não chegámos a morar juntos. Ela já tinha passado por essa experiência e jurara não a repetir. Cada um na sua casa. Tem vantagens e desvantagens. Por vezes mudava-me para casa dela, mas corria comigo logo que eu começava a cozinhar. Eu não aguentava durante muito tempo a comida de plástico a que ela se habituara. Deformação profissional, dizia-me. Durante muitos anos só comera aquelas refeições dos aviões. Contava com muita graça que já dera de comer a todos os presidentes da democracia. O Ramalho Eanes só comia bacalhau, era o mais frugal de todos. O Mário Soares era o mais exigente, boa comida, bons havanos, bons conhaques. Várias vezes o apanhara a olhar-lhe o rabo – que era perfeito, aliás. O Jorge Sampaio era muito humano. Bom homem, dizia ela.

Os melhores tempos da nossa relação, que durou seis anos, foram quando ela tinha ataques súbitos de cio. Nessas alturas era ela que se mudava para minha casa. Valia tudo. Tudo mesmo. Uma vez até comi chantilli no umbigo dela. Uma maluqueira na cama, como estão a ver. Um dia foi embora. Foi com a consciência pesada, disse-me mais tarde. De vez em quando telefonava a desafiar-me para uma “matiné” de sexo, mas eu nunca compareci. Disparate tem limite.

«Chibía, Morangos e Chantilli»
Desenho por João Fontes

Continuámos a fazer parte do mesmo grupo de amigos e mandei-lhe sempre bilhetes para os concertos em que participava, mas nada mais do que isso. Quando nos encontrávamos, o cumprimento era muito cordial, mas comigo sempre a fugir porque ela costumava lamber-me a orelha quando me dava o beijinho.

«Chibía e a Orelha de Rufino» 
Desenho por João Fontes

Entusiasmo a mais neste relato, parece-me agora ao reler o que escrevi. De qualquer forma, o que eu gostaria de salientar é a alegria da Chibía quando se tratava do Alandroal. Foi muito amiga de um dos presidentes de câmara que por cá andou, um tal Regatão, a quem chateava constantemente pedindo recordações da Câmara que depois distribuía pelos amigos.

Voltou para Angola. E é em Lubango que agora cria a filha que chegámos a ter juntos.

Rufino Casablanca
Terena – Monte do Meio
1998

2 comentários:

Anónimo disse...

Texto e ilustrações com uma boa dose de erotismo. Tanto do velho como do rapaz.

francisco tátá disse...

Excepcional. Uma palavra muito especial para o artista ilustrador, para o Rufino (paz à sua alma) que ainda tive o privilégio de conhecer para a nota intodutória do Cabé e para as referências tecidas pela minha pessoa...Enfim um grande momento do Poeta Anarquista.
Em frente
Chico Manuel