quarta-feira, 15 de junho de 2011

ALMADA NEGREIROS - O ARTISTA

José Sobral de Almada Negreiros, mais conhecido por Almada Negreiros ou «Mestre Almada», nasceu em Trindade, São Tomé e Príncipe, a 7 de Abril de 1893. Extraordinário artista multifacetado (pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista português) pertenceu ao grupo modernista e foi também um dos principais colaboradores da Revista Orpheu. Almada Negreiros faleceu em Lisboa no dia 15 de Junho de 1970. 
Poet'anarquista
Almada Negreiros
Artista Português

«Auto-Retrato»
Almada Negreiros


BIOGRAFIA

Artista plástico e escritor português, natural de São Tomé e Príncipe, onde o pai era administrador do concelho da cidade. Estudou no colégio jesuíta de Campolide, para onde entrou em 1900, aos sete anos de idade, após a morte prematura da mãe, em 1896, e a partida definitiva do pai para Paris nesse mesmo ano. Aí realizou os jornais manuscritos República, Mundo e Pátria. Após o encerramento do colégio frequentou, entre 1910 e 1911, o liceu de Coimbra, de onde passou para a Escola Nacional de Belas-Artes, em Lisboa. Em 1915, integrado no grupo Orpheu, centrou a sua polémica ideológica numa crítica cerrada a uma geração e a um país que se deixava representar por uma figura como Júlio Dantas. Mostrando-se convicto de que «Portugal há-de abrir os olhos um dia», lançou, em 1917, um Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, precavendo-as contra a «decadência nacional», em que a «indiferença absorveu o patriotismo». 

Entre 1919 e 1920 retomou os estudos de pintura em Paris, onde criou a sua característica assinatura, com o «d» do seu nome a elevar-se, marcando a sua individualidade. De regresso a Lisboa, adquiriu uma serenidade bem expressa na sua afirmação de que «entre mim e a vida não há mal entendidos». Mas, em 1927, de novo desgostoso com a falta de abertura do país às novas correntes ideológicas e culturais, foi para Madrid. Aí, como já antes o fizera em Lisboa, a par da sua actividade nas artes plásticas, colaborou com a imprensa. Com o agravamento da crise económica e social espanhola, após a proclamação da República, Almada regressou a Lisboa, em Abril de 1932. À consciência nacional que Paris lhe trouxera acrescentou agora uma «consciência ibérica culturalmente definida por valores líricos de uma certa lusitaneidade». Em 1934, casou com a pintora Sara Afonso.

Almada Negreiros, conhecido como «Mestre Almada», colaborou nas revistas de vanguarda Orpheu (de que foi co-fundador), Contemporânea, Athena, Portugal Futurista e Sudoeste (que dirigiu). Participou em exposições de arte, nomeadamente na I Exposição dos Humoristas Portugueses (1911), a primeira do modernismo nacional. 

Como artista plástico, são de realçar os seus murais na gare marítima de Lisboa, os trabalhos para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima (mosaico e pintura) e o célebre retrato de Fernando Pessoa. Pintor do advento do cubismo, a sua actividade artística estendeu-se ainda à tapeçaria, à decoração e ao bailado.

Como escritor, publicou peças de teatro (Antes de Começar, 1919; Pierrot e Arlequim, 1924; e Deseja-se Mulher, 1928); o romance Nome de Guerra (escrito em 1925, mas publicado apenas em 1938, é considerado um dos romances fundamentais do século XX português e o primeiro em que se manifesta já a arte modernista); os poemas Meninos de Olhos de Gigante (1921), A Cena do Ódio (escrito em 1915 durante a Revolução de Maio contra a ditadura de Pimenta de Castro e publicado apenas em 1923, consiste numa descrição violenta do Portugal da época, em que se exprime uma dialéctica de amor-ódio que seria a tónica dominante das relações do artista com a pátria), As Quatro Manhãs (1935) e Começar (1969); e uma série de textos de crítica e polémica, dispersos pelas publicações em que colaborava. De entre estes, destacam-se o Manifesto Anti-Dantas (1915), verdadeiro libelo de reacção ao ambiente cultural estagnado e academizante da época, o Manifesto (1916), o Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas (1917) e A Invenção do Dia Claro (1921), conferência sob a forma de poema. A sua obra representa uma síntese, única na sua geração, das tendências modernistas e futuristas de então, não apenas por, como artista, ser multifacetado, mas também pela sua capacidade de fusão e conjugação, nas letras e na pintura, das vertentes plástica, gráfica e poética. Em 1970 e 1988, foram publicadas duas edições de Obras Completas de Almada Negreiros, comemorando a última o centenário do autor.

Artista da novidade e da provocação, em demanda de «uma pátria portuguesa do século XX», atento à busca de uma unanimidade universal e profundamente marcado pela herança e o sentido da civilização europeia, foi uma das grandes figuras da cultura portuguesa do século XX. Artisticamente activo ao longo de toda a sua vida, o seu valor foi reconhecido por inúmeros prémios.
Fonte: Astormentas

«Camões»
Almada Negreiros

«Fernando Pessoa»
Almada Negreiros

«A Sesta»
Almada Negreiros

«Maternidade»
Almada Negreiros

«A Taça de Chá»
Almada Negreiros

«Família»
Almada Negreiros

«O Contador»
Almada Negreiros

«PINTURA MODERNISTA»
ALMADA NEGREIROS


POVOS D'OCEANO


D'encontro a um oceano
Debruçados sobre ele
Maravilhados
Tanto nele mergulhando
Tocados na pele
Ou imolados
Com um longo braço penetrámos
O nosso espírito -- magro torrão
O vosso povo -- vastidão
Nas cartas o seu perfil traçámos
Vós um oceano de terra
Nós um oceano de mar
Que aventura!
E a Europa p'lo meio
Sem ter onde se debruçar...

Almada Negreiros

A SOMBRA SOU EU

A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei dó que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e que não me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!

Almada Negreiros

BICHA

Uma bicha solitária encontrei 
Algures no meu testino. 
-- Porque és bicha?, perguntei, 
Não achas um desatino?

-- Bicha sou, fui e serei, 
Essa é a minha natureza; 
Solitária também, meço palmo-e-meio, 
E vivo que é uma tristeza!

-- Pois não entendo, disse, não te creio: 
Se és tão magra e sorvida 
Mesmo co' esse focinho um bocado feio, 
Pareces andar é bem servida!

-- E que sabes tu?, virou-se ela,

-- Nem quero fazer ideia! 
Mas há por aí tanta bicha bela...

-- Beleza, nesta cela? 
Não tenho boca, não tenho cu 
Nem barriga p'ra ficar cheia, 
E só fico à espera da ceia. 
Como vês, sou bicha, solitária... 
E só me calham gajos como tu!

-- Mas que bicha tão ordinária...

Almada Negreiros 

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito boa esta publicação sobre o grande Almada Negreiros. Grande nível este blogue, do melhor que tenho visto na net em matéria de arte e cultura. Muitos parabéns ao poet'anarquista!

De passagem