sexta-feira, 18 de março de 2011

POESIA - STÉPHANE MALLARMÉ

Stéphane Mallarmé, pseudónimo de Étienne Mallarmé, foi um poeta do Simbolismo e crítico literário francês, autor de uma obra poética ambiciosa e muito difícil, promovendo uma renovação da poesia na segunda metade do séc. XX. Nasceu em Paris a 18 de Março de 1842 e a sua influência ainda hoje é sentida por muitos poetas contemporâneos.
Poet'anarquista
Stéphane Mallarmé
Poeta Francês
BIOGRAFIA

Poeta francês. Integrante do movimento simbolista, a sua obra antecipou a sintaxe visual da moderna poesia do século XX.

Na obra de Mallarmé, o lirismo adquiriu crescente densidade, ao mesmo tempo que se tornava mais hermético. Enquanto, como Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, dava início assim à melhor vertente do simbolismo, em seus últimos trabalhos o poeta antecipou a sintaxe visual da poesia mais moderna do século XX.

Stéphane Mallarmé nasceu em Paris, em 18 de março de 1842. Publicou os seus primeiros poemas em 1862, após sentir desperta a sua vocação literária pela leitura das obras de Charles Baudelaire e Edgar Allan Poe. No mesmo ano viajou para Londres, a fim de aperfeiçoar os conhecimentos da língua inglesa. De volta, um ano depois, leccionou inglês em várias cidades (Tournon, Besançon, Avignon) e, a partir de 1871, em colégios parisienses. Mallarmé chegou à celebridade de forma repentina, graças a Paul Verlaine e a J. K. Huysmans. O primeiro dedicou-lhe um artigo na obra Les Poètes maudits (1883; Os poetas malditos) e o segundo elogiou-o no romance À rebours (1884; Ao revés). A partir de então, foi reconhecido como um dos poetas mais eminentes da época.

Os textos de Mallarmé provocaram uma polémica que se projeta até à actualidade, embora a sua obra poética não seja extensa. A sua primeira fase reúne tanto a colaboração no Parnasse Contemporain como uma pequena quantidade de poemas, e a segunda os poemas mais longos e textos herméticos. O poeta traduziu, nessa época, The Raven (O corvo) de Edgar Allan Poe e escreveu alguns poemas em prosa. O poema "Un coup de dès jamais n'abolira le hasard" ("Um lance de dados jamais abolirá o acaso"), publicado em 1897 na revista Cosmopolis, configura uma terceira fase.

Mallarmé é muitas vezes visto somente como autor dos primeiros poemas simbolistas, publicados em 1866 no Parnasse Contemporain: "Les Fenêtres" ("As janelas"), "L'Azur" ("O azul"), "Brise marine" ("Brisa marinha") e outros, protótipos de um simbolismo melódico, de jogo metafórico quase transparente. Mas já então lançara os germes de uma inversão sintática insólita e, por isso, nem mesmo o Mallarmé dos primeiros poemas foi entendido por grande parte da crítica de orientação parnasiana.

O Parnasse Contemporain publicou ainda, em 1871, a segunda parte do poema dramático "Herodiade", na linha do poeta clássico Racine, apesar das modulações inesperadas. Em 1875, porém, os editores consideraram incompreensível e recusaram o poema "L'Après-midi d'un faune" ("A tarde de um fauno"), que leva a um ponto julgado inadmissível a deliberada inversão da sintaxe. A inversão aprofundou-se ainda mais em outros poemas e alcançou o ponto máximo nos sonetos herméticos, inclusive na série das Homenagens  em que figura o célebre "Tombeau d'Edgar Poe" ("Túmulo de Edgar Poe").

Todos os poemas de Mallarmé representam um esforço para esgotar as formas poéticas tradicionais, até o ponto em que o próximo passo a ser tentado seria a organização de uma nova estrutura poética, independente do legado tradicional. Essa tentativa foi feita no poema dramático em prosa (de publicação póstuma) "Igitur ou La Folie d'Elbehnon". A tentativa foi retomada em "Un coup de dès jamais n'abolira le hasard", que rompe com as estruturas tradicionais da poesia.

O poema estende-se no espaço de uma página dupla, escrito em caracteres variados que sugerem uma leitura múltipla e simultânea, mas não aleatória. Quase toda a moderna discussão crítica em torno de Mallarmé se centraliza nesse poema, a partir do qual a importância de sua obra anterior foi reavaliada. As inovações desse texto exerceram poderosa influência sobre as vanguardas literárias do século XX, em países como Portugal, Estados Unidos, Alemanha e Brasil (concretismo, Praxis, Ptyx, Veredas etc.), especialmente pelo modo como o poeta investiu de função expressiva a utilização dos espaços em branco e dos tipos escolhidos para a impressão, configurando pela primeira vez o que se veio a chamar "sintaxe gráfico-visual".

Poucos escritos de Mallarmé foram publicados em livro durante sua vida. A maioria apareceu em revistas ou obras coletivas, como o Parnasse Contemporain. Editaram-se em plaqueta o poema "L'Après-midi d'un faune", ilustrado por Édouard Manet, que inspirou a música homônima de Claude Debussy, e as Poésies (1887). Mallarmé deixou muitos textos em prosa, alguns reunidos em Divagations (1897; Divagações), textos complementares para a sua compreensão como poeta.

«Stéphane Mallarmé»
Retratado pelo seu amigo Manet

Amigo de Verlaine, Rimbaud, Manet e Debussy, Mallarmé tornou-se mestre da nova geração literária (Paul Claudel, André Gide, Paul Valéry). Nas últimas décadas do século XIX, ficou célebre o seu modesto mas requintado salão literário. Durante a maior parte da vida, Mallarmé dividiu o seu tempo entre o círculo literário em Paris e o retiro de Valvins, perto de Fontainebleau, onde morreu, em 9 de setembro de 1898.
Fonte: Luanegra

ANGÚSTIA

Não vim domar teu corpo esta noite, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:

Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:

Pois o Vício, a roer minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade.

De um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.

Stéphane Mallarmé

O TÚMULO DE EDGAR POE

À medida que o tempo finalmente se transforma 
O poeta acorda com sua espada nua 
Sua idade e não conseguir descobrir, assustado, 
A morte que inundava sua profunda voz estranha. 

Ele viu a hidra de pessoas comuns, com um ataque vil 
Na língua antiga que nasceu purificada 
Acreditando que ele bebeu o mágico encantado 
Onda em um vergonhoso exorcismo escuro. 

Se as nuvens hostis e asas de terra que rói 
Baixo-relevo esculpido ele não mente 
Para enfeitar o túmulo de brilho de Poe, 

Que intacto como bloco de um cataclismo escuro 
Este granito, pelo menos, parar para sempre 
Voos negros a levantar o futuro blasfêmia.

Stéphane Mallarmé

BRINDE

Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa;
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.

Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;

Uma embriaguez me faz arauto,
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde

Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
Um branco afã de nossa vela.

Stéphane Mallarmé

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